Minha dentista, meu médico, minha terapeuta, meu advogado e minha contadora. Ainda tem meu psicanalista, meu cabeleireiro. E também meu pedreiro, meu vizinho, meu marido, minha mulher.
Por que tratamos profissionais e pessoas próximas com os quais nos relacionamos por pronomes possessivos? O que está por trás disso? É um jeito comum no Brasil esse tipo de tratamento, tipo um hábito inocente, mas será mesmo inocente?
Há quem defenda como algo amigável chamar o cara que mexe no carro de meu mecânico. Chamar de meu aproxima, inclui, humaniza, argumentam. Vamos supor que “seu” mecânico encontra você por acaso num shopping, ele sem graxa, de bermudão, camiseta e acompanhado da mulher. Você surpreso o apresenta aos amigos “pessoal, esse é o meu mecânico” e infla o peito de poder.
Nos meus tempos de repórter de jornal encontrei num teatro um empresário merda que havia entrevistado recente. A matéria na linha IP, o famoso “interesse do patrão”, saiu uma droga. Pois o cara todo festivo me apresentou à esposa com o detestável “esse é o meu jornalista” e bateu nas minhas costas. Rapazzz… tománucu!
Chamar de meu tem um simbolismo esquisito. O pronome indica posse, invasão, define territorio mas tambem a sensação de intimidade e confiança. Até parece dar prestígio mas não passa de demonstração subliminar de domínio.
Se a faxineira é minha, é boa. Isso me cheira ao período não tão distante em que homens e mulheres eram comprados nos balcões dos traficantes de escravos. A partir da venda, passavam a ser propriedade, minha escrava, meu escravo, minha faxineira.
Veio a libertação mas essa chaga permanece tão entranhada que os proprios ex- submissos continuam chamando os da escala acima de “meu patrão, meu chefe, meu senhor”.
Nas empresas o tratamento evoluiu para meu diretor, minha supervisora, meu coordenador. Nas escolas para minha professora. Nas periferias, meu pastor, minha patroa, minha comadre, meu padrinho.
TER COISAS
Parece que traz uma sensação de segurança conferir propriedade à pessoas como na infância com meu brinquedo, minha bola, minha boneca. Lembrando que vivemos na sociedade do ter coisas, num estalo pessoas também viram coisas.
Não seria uma questão de linguagem, na maioria das vezes, indaga-se. Afinal não faz mal a ninguém e não custa nada, inclusive adoro quando me chamam de meu nego, defende um amigo. O tpicamente baiano meu nego e minha nega até soam inocentes mas continuam submetidos ao domínio do “meu” e “minha” como formas de conferir qualidade, griffe. Só servem porque são justamente meu e minha.
Comentei essas viagens com uma amiga que pirou, nunca tinha pensado nisso. Ficou passada porque seu jeitão de tratamento é na base do meu querido, minha amada, meu fornecedor de orgânicos, minha professora de pilates.
Pô velho, não custa nada, não vou ficar me patrulhando pra tirar o “meu” e a “minha” dos meus carinhos!! Risos!
Seja pelo "politicamente correto", por apegos ou por vícios de linguagem, nem sempre é por questões do ter, e “ter” também é necessário. Precisamos tomar cuidados com os exageros, disse encerrando a conversa.
Fato é que o assunto é incômodo e mesmo desimportante. Fato é que ninguém vai mudar suas formas de tratamento porque um tonto resolveu trocar o meu músico preferido e a minha professora do primário pelo nome das pessoas com o adendo de “melhores do mundo”. Sem precisar ser meu e ser minha.
Não tem jeito... o adendo vai virar "melhores do meu mundo" 😂
Li e gostei como se o texto fosse meu. 😁
Li e gostei, como se o texto fosse meu.😁