Viver é estar num parque de distrações.
Todas as atividades levam a distrações. Distrair-se de si, das inquietações, dúvidas, culpas, traumas, lutos. Distrair-se das rotinas, das relações, das dívidas, dos compromissos. As distrações atrasam as explosões do povo e até as revoluções. Tempos bicudos exigem distrações ao quadrado. Exigem guerras. Nada distrai mais que a violência dos combates e o turbilhão de corpos calcinados. As distrações terapias, distrações estratégicas.
O trabalho como distração; o trabalho aciona o ego, a competição, as conquistas, os fracassos e as recompensas. O trabalho obrigatorio oprime enquanto liberta do tédio da existência. Distração em mais de 40 horas semanais, fora o tempo no transito, nos restaurantes, nas fugidas, nas escapadas furtivas, nos bares até chegar o esperado fim de semana para, ai sim, a distração assumida.
O álcool, o cigarro, todas as drogas, os venenos alimentares. O que seria da humanidade e dos controles sociais sem a distração etílica, sem os efeitos, sem as doenças? Sem as dez mil religiões? O altar, os pulpitos e salões religiosos, simbolos das mais poderosas e desbragadas distrações. Eles estimulam fantasias, dependências, arrogancia e soberba muitas vezes disfarçadas de caridade, de êxtase e sensação de propósito maior. As exceções são trucidadas, sempre serão.
Pura distração nas academias, aulas de dança, nas festas, viagens, nas paixões, nas comidas e na produçao de lixo. Ali estão as provas do excesso de distrações nos sacos de supermecados jogados no lixão.
Templo gigante de distrações, os mercados, shopping centers, feiras, zonas de consumo, camelôs e os associados larápios, batedores de carteira e celulares, olheiros, traficantes, ladrões de carro, bancas do bicho, jogos de loterias. Uma galáxia de distrações. Para onde se olha, há uma distração disponível. A bunda da outra, o cabelo do outro, o corte abusado, a tatuagem exótica, o músculo do bombado e de repente, a buzina no ouvido póóóó!
E toca o celular no aperto do elevador. O celular é o totem individual das distrações coletivas. São mais celulares que habitantes no planeta. Sem eles, muitos morreriam de banzo nas filas da previdencia social, nos bancos das clinicas, nas mesas dos casais sem assunto, nas camas dos casais sem assunto, na falta de sexo dos casais sem assunto. O celular distrai quando tudo finda ou quando algo começa. Tantas são as distrações que sequer ve-se o tempo passar. Aliás, o tempo caiu de 24 para 16 horas tamanhas as distrações.
O futebol, ah se não fosse o futebol! Nações inteiras suspendem os seus perrengues nos dias de jogos. O time, a seleção, o maior jogador, o goleador, a expectativa, o placar final, tudo vira uma usina de distrações. Enquanto as multidões arriscam palpites, os bandidos passam suas boiadas, derrubam florestas, matam mulheres e crianças, explodem Gaza. Tudo isso gera novas distrações no noticiário seguinte. Durante minutos as imagens do caos provocam espasmos de indignação enquanto distraem do último conflito doméstico. Vamos mudar de assunto porque estão destruindo o planeta. Isso dura até a proxima notícia, geralmente uma amenidade de algum reality show.
A depressão é ausência de distração. Quando nada mais anima, nada mais preenche o vazio, nada faz sentido, nada distrai, chamamos de doentes da alma, doentes de varios nomes, alzheimer, demência, autismo, esquizofrenia, isolados, solitários, alienados e até mau humorados ou poetas. Esses vivem pouco porque não há o menor sentido ver o sol nascer e muito menos se por. O corpo exaurido sem distrações pede o fim.
O plano perfeito de domínio é distrair. A internet é a grande sacada. Enquanto disparam memes de ódio, mais distraidos são engajados. E eles reagem com palavras duras, com indignidades, protestos sinceros, lagrimas, caras de zanga, distraídos revolucionando o mundo com bonequinhos virtuais inúteis. E os gráficos de aprovação e reprovação brigam nas plataformas como novos brinquedos de distração da criançada acima dos 30 anos… dos 50? Dos 70? 80?…
A internet infantilizou a humanidade ou escancarou o berçário, o que já era infantil e frágil. Pouco importa, contanto que todos estejam olhando pra cima, pros lados, pra baixo, perdidos, entretidos com seus brinquedos, distraidos do que realmente importa… e o que é que realmente importa, mesmo?
Arthur Andrade
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