Mesa de cirurgia ou mesa cirúrgica hospitalar remete à bancada onde destrincham o animal. Mesa tem origem no latim “mensae”, que significa lugar para refeições. Está também relacionada à partilha, lugar de encontro onde se compartilham alimentos e fortalecem laços familiares e comunitários. Serve ainda para trabalhos, jogos, diversões e debates.
Mas a medicina hospitalar transformou “mesa” em bancada de cortes cirúrgicos. É um sentido bizarro, grotesco da Idade Média mas completamente entranhado na cultura do século XXI. A medicina tradicional trata o corpo como campo de guerra onde se matam os inimigos em defesa do território.
Não só a mesa hospitalar remonta ao passado bruto da medicina, cercado de recursos grosseiros como sangrias e sanguessugas. A linguagem ao qual nos referimos às doenças é igualmente rude e bélica.
DOENÇAS INIMIGAS
As enfermidades são situações que precisam ser “combatidas”. Bactérias devem ser eliminadas, virus e fungos precisam ser destruidos. O cancer, transformado em inimigo número um da humanidade, tem que ser enfrentado, extirpado e incinerado com química pesada.
Está tão incorporado à cultura ocidental que soa covarde e inadequado tratar a doença como parceira de jornada. É inimiga e fim de papo. Se não combater a doença, se não combater o câncer o que fazer então? É pra combater, sim, senão ele mata. Essa é a mensagem estabelecida.
É como se o inimigo tivesse descido de uma nave e entrado no corpo como o “alien” do cinema, pronto para destruir o planeta. É preciso usar todas as armas como se fosse uma invasão externa e não manifestação do próprio corpo. A doença, acredite, é uma bandeira levantada pelo corpo para reivindicar ao hospedeiro melhores condições de trabalho e vida.
A doença nasce no corpo, pertence ao corpo e por isso merece ser compreendida e respeitada como manifestação política. Ela é o último recurso ao qual a natureza se vale para preservar o ecossistema. Não se adoece do nada.
O ambiente nocivo, desequilibrado pode fornecer o combustível mas é a fragilidade do organismo que permite o acesso e escancara as portas. Depois de recebida a visita, trata-se então de expulsá-la a pontapés, tiros e bombas?
O senso comum age assim, a medicina tradicional ocidental só conhece essa linguagem que é patriarcal. Diante do medo parte-se para a ignorância e tenta-se ganhar no grito como fazem os autoritários repressores. Eis uma prova evidente do quanto estamos longe de compreender o sentido da vida no planeta.
Há de se tratar o doente e entender a mensagem das doenças e não combatê-las. É preciso trocar os verbos bélicos por pacíficos, respeitar virus, fungos e bactérias como membros da mesma tribo momentaneamente confusos, afinal eles são maioria. É preciso sair da relação de repressão e violência para o diálogo político com essa fantástica e complexa comunidade chamada corpo humano. Essa mudança de postura pode ser o melhor caminho para o entendimento, a pacificação e a cura.
Issooo!...
Quando ouço nas matérias da imprensa que o paciente está "lutando contra a morte" está implicito que lutaram com todas as armas, como se fosse uma guerra e que aquela batalha está perdida...