Ouvi recente de um ambientalista que acessar a natureza é a pauta mais urgente, a decisão política mais importante. Se isso procede, seria a pauta mais dificil de implementar. Por um motivo básico: a natureza é uma ilustre desconhecida. Exceto por aqueles que vivem embrenhados nos matos, uma selva amazonica de gente não tem a menor noção do que seja essa senhora.
Conheço gente que nunca passou perto de uma floresta e tem as janelas teladas para evitar qualquer resquício de insetos. Para essas pessoas natureza significa pânico.
No lado oposto, tem as que a consideram uma maravilha, um paraiso. Essas pessoas não têm mesmo a menor noção do que seja. Nada de paraiso, nada de paz, nem nada de perfeição. A natureza é bruta.
Estávamos acampados próximos a uma praia do Nordeste quando alguém resolveu futucar uma obra da natureza, uma colmeia. Não era colmeia. Voamos para dentro do mar atacados por bilhões de marimbondos. Acabamos em um posto de saúde picados para neutralizar picadas.
Participava de uma trilha em uma floresta fechada. Era raro seguir por um caminho mais aberto, então relaxei por um minuto naquela passagem mais limpa. Fui empurrado com ímpeto pelo guia, jogado no chão enquanto, assustado, via o homem decepar com seu facão a cobra pendurada em um galho pronta para cravar meu pescoço.
Há uma única condição para estar na natureza: respeito. Respeito absoluto. E isso implica atenção plena que implica em nunca nunca nunca relaxar. Quem diz que natureza é lugar de relaxamento, está em casa separado de árvores e bichos por vidraças reforçadas. Lugar de contemplação? Só se estiver na beira de um lago cinematográfico com repelentes pulverizados pelas equipes de produção. Mas você pode contemplar a natureza, por exemplo, do alto de uma montanha em Mucugê, na Chapada Diamantina.
Meu sobrinho foi contemplar. Fones de ouvido, música alta, camiseta cavada, mini mochila, sandálias, que paisagem incrível, a vida é linda. Contemplou caminhando durante algumas horas. Quando decidiu voltar, estava perdido. Passou três dias perdido. Não havia um único abrigo para aquelas duas noites chuvosas. De camiseta sem mangas, lembra? De tanto frio, fez xixi no corpo para esquentá-lo. Achou uma caverna para passar uma noite. Quando sentou, quebrou uma dezena de ovinhos de cobra.
Chegou a pensar em morrer, lançar-se do alto do despenhadeiro. Então ouviu ao longe sons de água, apurou o ouvido, sentiu cheiro de água, apurou o faro, achou o caminho dos turistas. Chegou na pousada como uma peneira de picadas, vermelho, faminto, assustado. Ninguém sabia onde ele estava, saiu sem avisar. Aprendeu na marra a jamais vacilar em lugares lindos.
Viver na natureza requer preparo, requer reverencia porque nao existe compaixao nesse lugar. Todos são exatamente iguais, todos estão nus. Para ela não ha diferença entre humanos e raposas. Sendo que raposas estão integradas, humanos nao, perderam o timing, perderam o faro e o ouvido. Perderam até o tato, a capacidade de identificar chuva pelo tantã da terra como as formigas.
O acesso à natureza é trabalhoso e lento. Nao depende de uma decisao política, mesmo porque a política teme a natureza que fortalece os sentidos e liberta humanos dos mimimis.
O rapaz que trabalha no sítio nasceu no mato, vive no mato, sabe como se mover no mato que é sua vida. Pois aos 50 anos, nunca conheceu uma cidade grande. Aliás, morre de medo. As arvores de muitos andares são suas desconhecidas. Os prédios sem galhos não têm folhas nem produzem oxigenio, são como bichos de cimento. Como viver num lugar assim, ele não entende. Alguém entende?
Nos afastamos tanto que passamos a achar normal e impressionante um prédio de cem andares e um incômodo árvores que “sujam” passeios com suas folhas. A síndica de um condomínio onde morei mandou cortar várias pequenas árvores porque sujavam as áreas de circulação dos condôminos. São pessoas como essa que colocam veneno para matar gatos do vizinho.
É uma injustiça chamar esse comportamento de natureza humana, como se maldade fosse natural. Porque a gente sabe, não há a menor maldade na natureza, há magnitude, grandiosidade, há majestade e uma justa e equilibrada reciprocidade.
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