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Foto do escritorArthur Andrade Tree

IMORTAIS, O TÉDIO

Atualizado: 25 de ago.


Haverá o dia em que chegaremos à imortalidade. A tediosa e inútil imortalidade. O congresso então já não discutirá o direito ao aborto ou a descriminalização das drogas, assuntos superados no passado longinquo. Discutirá o direito à morte.


A polêmica vai ocupar o noticiário holográfico, debates serão conduzidos em estações espaciais, familias cósmicas estarão chocadas e os religiosos quanticos em sua maioria estarrecidos. Como alguém pode contrariar as escrituras e a ordem natural da existência para reivindicar morrer?


Fato é que o congresso não tem maioria para aprovar o PL da morte. Na verdade, o projeto é para legalizar o que já existe na prática. Todos sabem que pessoas acima dos 250 anos, sobretudo homens cansados da vida fácil, buscam clínicas especializadas em interrupção de chips cardíacos e cerebrais, uma operação de alto risco quando feita clandestinamente.


Erros médicos têm levado principalmente homens jovens à eterna vida eterna, sem mais possibilidades de morrer. Essa tragédia tem chances de ser interrompida se o congresso votar e os partidos aprovarem o projeto de lei da bancada “todos pela morte”, com parlamentares milenares.


As bancadas das mulheres setecentonas, acima dos 900 - elas sempre baixam a idade - tem se mostrado resistentes ao projeto. Argumentam que o mundo vai perder o pouco da pouca graça que tem sem essa juventude ducentona, entre 200 e 280, majoritariamente.


FALTAM PROBLEMAS


Pesquisadores do IBSFVE (Instituto Brasileiro da Falta de Sentido da Vida Eterna) consideram o periodo entre 200 e 300 anos como o mais crítico. Eles observam que a falta de problemas é a principal causa de desânimo dessa juventude. A morte é uma possibilidade real para dar sentido e movimentar a vida.


No ano passado o congresso aprovou em regime de urgencia a liberação de drogas que simulam a morte cerebral. O resultado não foi o esperado. Ao fim do efeito das substancias psicodélicas legalizadas, muitos voltaram mais deprimidos ao estado normal. “Abrir os olhos e ver que na realidade nada mudou é desanimador” lamenta um ex-influencer de 278, aposentado há pouco mais de 120 anos.


Os clubes de viagens no tempo vivem lotados. A maioria tem buscado voltar ao século XXI pouco antes da 3a Guerra quando “a gente era feliz e não sabia”. O fascismo que governou o mundo entre 2026 e 2076, cinquenta anos de pauleira, provocou a morte de milhões. Nesse tempo as pessoas lutavam pra viver, algo inimaginável nos dias de hoje.


Após as viagens no tempo, um sentimento nostálgico tem desabado sobre todos como um viaduto. Há por isso um movimento se formando para fechar essas casas a fim de reduzir o estímulo pela busca da morte real. Fechar não vai resolver, dizem representantes do governo secular, porque as casas ilegais ocuparão o espaço. E todos sabem, os ilegais são mais interessantes.


Em discurso na tribuna do senado, o parlamentar decano de 2,3 mil, já inteiramente consolado com sua longevidade crônica, lembra com certa irritação a praga lançada no passado de que os sobreviventes da guerra e das tragédias climáticas “terão inveja dos mortos”.

Fez-se longo silêncio…


64 visualizações3 comentários

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BUMERANGUE

3 Comments


Guest
Jun 26

Perfect!

Edited
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Guest
Jun 26

Beleza de texto!!!

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tania22224
Jun 25

Maravilhaaaa! Ameei ""IMORTAIS O TÉDIO"

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