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Foto do escritorArthur Andrade Tree

EU CDF

Atualizado: 15 de mai. de 2024


Crianças normais viviam na rua, as anormais eram CDF.


Só bem mais tarde fui entender porque a pessoa estudiosa e que passava em todas as matérias era chamada de CDF, cu de ferro.  Porque aguentava ficar sentada estudando por muito tempo. Só um cu de ferro pesado pra segurar alguém cheio de energia na cadeira. E a energia puxava pra rua, e a rua era a vida. Crianças normais viviam nela, as anormais eram CDF.


Essa sigla virou ofensa. Ser chamado de CDF era como xingar de criado com vó, ou seja, viado. Criado com vó é sua mãe. Pronto, botou a mãe no meio era chamar pra porrada.


Nesse tempo, mãe era um negócio sagrado, não cabia em bocas sujas. Dei alguns murros nos estômagos de uns merdinhas do meu tope que xingaram minha mãe. Meus murros eram no estômago porque dar na boca tirava sangue e sangue é eca!


Uma vez levei um murro no olho que desmaiei, quer dizer, vi estrelas. Ai aprendi que dar murro no olho era uma boa, não tirava sangue e o menino via estrelas. Eu via um monte. E corria pra casa ouvindo o inimigo me xingando de CDF.

Mainha, ele me xingou de CDF! Minha mãe nunca ria desses dramas, respeitava e dizia - eu até gostaria que você fosse CDF. Meus olhos marejados olhavam agradecidos pra ela. Mas era mentira, eu era CDF com o violão.


Quando vi aquele menino de uns 14 anos com cara de hippie tocando Beatles daquele jeito, falei pro meu CDF interior: quero fazer isso um dia.

Meu presente de aniversário de 13 anos foi um violão vermelho e preto com cordas de aço. Eu mesmo o escolhi numa loja na Rua Chile. Vermelho e preto porque meu tio amado era Vitória doente e eu quis homenagea-lo. Ele morreu com quase cem anos sem nunca ter sabido disso.


Então aquele menino tocando feito louco no bequinho do Santo Antonio além do Carmo chamava-se Pepeu, mais tarde acrescentou o Gomes. Graças a Pepeu virei CDF do violão. Mas ao contrário dos CDFs em matemática, química e português, CDF em violão era respeitado. Nunca mais me xingaram, nem xingaram minha mãe depois que me viram tocando “Disparada” daquele jeito feito um louco. Assim a música salvou dos maledicentes o CDF que havia em mim.




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