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Foto do escritorArthur Andrade Tree

ESSES HUMANOS HUMANOS

Atualizado: 4 de ago.

Enquanto as vizinhas visitavam a senhora doente no quarto, uma outra roubava as xicaras orientais raríssimas no armario da sala. Cada dia de visita, mais xícaras a menos. A senhora enferma falece e as xícaras também desencarnam. Só mais tarde quando as filhas vão juntar os bens percebem a ausencia das raridades.


Anos mais tarde as ex-vizinhas se reencontram com a ladra, dessa vez triste, queixosa. Algo muito chato aconteceu, contou, “roubaram as minhas xicaras orientais”. Alguem entrou na casa e as levou. O tempo havia apagado a memoria do roubo original ou roubar era algo tão normal quanto comprar na loja do shopping, assim passivel de perdas.


Lamentando o sumiço das xícaras da outra, a ex-vizinha lembrou que por coincidencia roubo semelhante ocorrera em sua casa há uns dez anos. Como o mundo dá voltas para o mesmo lugar,

a que roubou acabou roubada. Contudo, por um desses “milagres inexplicáveis”, as xícaras orientais voltaram para o mesmo lugar no antigo armario da sala da velha falecida. Não fui eu, isso garanto.


A outra achou um absurdo enterrarem o defunta calçada naqueles sapatos chiquerrimos. Esperou o momento adequado quando todos sairam para o cafezinho e tirou os sapatos da morta. Rapidamente os escondeu na manta, aguardou a familia enlutada retornar, despediu-se chorosa e partiu vitoriosa com os sapatos da defunta. Que foi pra cova descalça, muito justo.


O desejo do aluno era largar a vida de ladrao pra virar músico. Fazia terapia holística pra isso. Havia um drama imenso, ele nao queria trair a familia de larápios. O pai, o chefão, vivia furioso com a intençao do filho. Por fim ameaçou expulsá-lo de casa se concretizassse a traição. Como alguem larga um trabalho lucrativo desse pra virar músico? O chefão estava puto.


Fato é que o aluno sensivel, 1,80 m de altura, mãos macias de dedos imensos queria tocar bateria em vez de roubar carros.

Na terapia ele contava que a rotina de roubos seguia um planejamento de empresa. Toda manhã o pai conferia as ferramentas de trabalho ok. Os quatro filhos levavam chave de fenda, material de chaveiros, alicates… nada de armas. Ladrões de verdade nao usam violencia. A meta de sempre era roubar carros novos. Eram bons nisso.


Como agora o filho mais velho queria dar esse pesssimo exemplo para os menores?? O pai estava decidido a expulsá-lo de casa como aviso aos demais. A namorada o estimulava a deixar o crime, “sem casa você não fica”.

No final, foi expulso de casa, passou a morar com a vigilante namorada e a tocar percussão em um grupo de pagode do Rio. A terapia ajudou.


HUMANOS PELO AVESSO


O carro do estranho pifou na estrada bem na porta do sitio da familia. Meu pai estava lá nesse dia sozinho. O estranho pediu para guardar o carro ali na area, mas meu pai nao aceitou. Perguntou o que havia acontecido. O homem explicou: a bateria arriou. Ah, foi isso? Meu pai entao o convidou para entrar, abriu o capô do seu proprio carro, retirou a bateria e entregou ao homem estático, surpreso, sem voz.


Tome emprestada, resolva seu problema. O estranho se foi. No dia seguinte estava de volta com uma bateria nova estalando para meu pai. Há quarenta anos vivo nas estradas, nunca tinha visto algo assim, disse o estranho. Para meu pai aquilo não era algo assim tão normal, mas naquele dia foi. Nunca esqueci disso.


A amiga seguia em viagem sozinha no velho Fiat 147 para Campina Grande, Paraiba, onde fazia mestrado em Computação. Na parada para abastecer em Feira de Santana, um rapaz maltrapilho pediu carona. “Vou ali e na volta a gnt vê isso” disse ela antes de entrar no banheiro do posto. Pensou rapido, a vida é uma aventura, viver é um risco. Aceitou dar a carona. O rapaz entao pediu o favor de levar um outro mais maltrapilho que ele, quase uma criança. Foram os dois sujos no tropego carro.


Altas conversas e o mais velho no banco da frente segurando tenazmente uma maleta nas pernas. Ai meudeus, aí deve ter armas, será que fiz certo?

A viagem prosseguia no asfalto interminavel ate que entraram na estrada de terra. Anoitecia. De repente, o velho carro apagou do nada. Parou completamente na escuridão. Agora é que estou perdida, entregou-se ao destino. Entao o rapaz em silencio se manifestou. “Não se preocupe, eu sou mecânico”. Abriu a caixa sobre as pernas, sacou as ferramentas e consertou o carro.

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1 Comment


Guest
Aug 04

Gosto de acreditar que esses humanos existem. ;-)

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