O que a tragédia do Rio Grande do Sul pode nos ensinar? O que iremos aprender com ela? A cada instante, ensinamentos à exaustão. Um deles é que nada mais é impossível. O cavalo no telhado seria impossível, exceto nos efeitos do cinema.
Pois as águas colocaram um cavalo no alto de um telhado na cidade destruida. Um homem arrastou outro animal pela orelha até salvá-lo e outro resgatou, no rio de lama, um cão exaurido abraçado a uma viga. O homem na chuva mostrava ar de alívio com seus dois gatos no colo enquanto a casa submergia nas suas costas, foda-se a casa.
A tragédia tem nos ensinado sobre solidariedade e empatia. Mas também nos ensinado sobre as ordens do universo onde nada é por acaso, tudo é consequência, causa e efeito.
Por isso essa tragédia ambiental está cheia de mensagens. A primeira delas é sobre a arrogância e a falta de zelo com a própria casa, o planeta. Cada pessoa morta, desaparecida, cada animal afogado e cada novo susto são consequências de centenas, milhares de árvores trucidadas, leitos desviados, poluidos, envenenados. Cada criança arrastada pelas correntezas é resultado dos rios de dinheiro às custas de terras arrasadas e gente explorada.
NÓS ALIMENTAMOS VOCÊS
Muitos sabem disso desde sempre, falam, alertam. Mas há uma correnteza maior que ensurdece quem deveria ouvir, os donos do progresso. São esses seres que por várias vezes pediram a separação do Sul do resto do país. Fizeram movimentos, abriram faixas, desqualificaram nordestinos, preguiçosos, aproveitadores, enquanto se vangloriavam como sustentáculos do país. “Nós alimentamos vocês”.
Queriam sim ser a nação rica e independente feita de gente especial. Hoje o Brasil que queriam longe está solidário socorrendo-os, ao lado dos fragilizados. Mas não para aí a roda da memória. As últimas eleições revelaram uma maioria gaúcha no negacionismo político, na negação da ciência e na exaltação da bandalheira. E pior. Hoje enquanto tantos solidários socorrem os devastados, uma parte desses seres malignos busca o inferno com mentiras e caos nas redes sociais.
A tragédia pode sim nos ensinar sobre empatia e solidariedade, mas também pode sinalizar que quando as águas baixarem tudo voltará ao de sempre, quando se elevarão da lama as mesmas arrogância e soberba que trouxeram tanta devastação para esse lugar. Não tenho esperanças.
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