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Foto do escritorArthur Andrade Tree

A FELICIDADE É MODERNA


A busca da felicidade é uma novidade humana. Esse estado incomum de bem estar é um luxo moderno. O comum e mais antigo é o “estado humano de ser”, a incerteza, o custo da existencia, a tensão do futuro.

Mas já estivemos piores. Nossos ancestrais sequer sabiam o que era ser feliz, o conceito nem existia. Vida bruta, rude, a meta era não morrer. Trabalho exaustivo, braçal, saúde precária, a média de vida era baixa com muita sujeira, doenças, conflitos, ausencia de regras, os bichos no mato viviam melhor.


Felicidade e saúde são portanto conceitos modernos. Felicidade vem do latim “felix-icis” e do grego phyo, relativos a fecundidade e produção. Na India budista é liberação do sofrimento. O termo tem menos de 3 mil anos, um nada de tempo considerando os 200 mil do homo sapiens.


Saude é outro conceito recente. Vem do latim "salutis" ou salvação. No século 13 virou "salute" e só em 1947, por orientação da OMS, ganhou o sentido atual de bem-estar físico, mental, social e não apenas ausência de doenças. Saúde portanto é do século XX. Mesmo assim não lembro dos avós dos anos 60 falarem em cuidados com a saúde nem em felicidade ou pessoas felizes. A vida parecia ter existência própria, automática, anestesiada.


Fato é que somos novatos nisso, calouros às vezes nos achando veteranos, os sabe-tudo normalmente reprovados nos testes do dia-a-dia. Nossas notas são geralmente baixas em ambas matérias, mesmo porque uma é requisito da outra. Não há como ter felicidade sem saúde nem ter saúde sem bem estar.


A felicidade portanto é frágil e depende de um montão de coisas. Depende do estado de espírito, do movimento do dia, da noite de sono, da cara no espelho, das boas notícias. Mas basta um fio de empatia para ela escapar entre os dedos. Basta a criança faminta na esquina, o idoso perdido, o mendigo na rua, a faixa de Gaza, a próxima guerra. Basta sentir… e lá se foi pelo ralo.


A saúde é outra coitada, também por um fio. Para se perder basta a água estranha, o ar pesado, o sangue espesso, o frango gelado, o açúcar, o trigo, a margarina. A saúde escapa na pressa de viver, na ânsia de chegar, no excesso de comer, na falta do nutrir. É volátil como eter, como a própria felicidade.


RICOS E POBRES


A novidade é que felicidade e saúde são produtos à venda. Anualmente a ONU elege os paises mais felizes do mundo, todos ricos. A Finlandia ocupa o primeiro lugar desde 2018, sete anos seguidos. PIB elevado, bons salários, baixa desigualdade, segurança e boa saúde fazem do país de 5,5 milhões de habitantes um paraíso. Estranho mesmo é o índice anual de suicídios - 15 pessoas por 100 mil habitantes desistem de viver no lugar mais feliz do planeta.


E os miseráveis Afeganistão e Libano estão há duas décadas no ranking dos menos felizes, seguidos por Siria, Líbia e outros devastados por bombas dos Estados Unidos e países da OTAN.

O Brasil já esteve no 14° lugar, caiu para o 49° em 2021 e agora subiu para 44°. Pergunta-se ao povo se ele é feliz, 83% respondem “sim”. O país não é tão feliz mas o povo é?


A saúde, outro produto do sistema, também é garantida por dinheiro. É preciso contratar planos, se não os tiver, pagar consultas e exames ou encarar as filas do SUS. Seu oposto, a doença, sustenta impérios da indústria farmacêutica e uma imensa rede de hospitais, clínicas e, no fim, cemitérios.


Já a busca da felicidade sustenta o mercado gigantesco das religiões e dos desejos, alimentados pela propaganda e pelas ilusões de alcançar o topo da pirâmide. Os novos jogos de azar virtuais, as bets, são parte dessa corrida febril pela felicidade. A derrota de um dia serve de estímulo para a tentativa seguinte, num ciclo de fracassos na busca viciante por poder.


Parece tudo perdido, mas não está. Tem a arte, a natureza, os amigos e os amores no contraponto. Enquanto o sistema vende felicidade e saúde, a natureza entrega sem custo e sem frete. A arte nos alimenta de beleza, os amigos e os amores de cumplicidade e acolhimento.


Tem ainda o mergulho no mar, o banho de cachoeira, a fogueira, a viagem sem destino, a trilha na chapada. A minha maior sensação de felicidade, até hoje, foi acordar no alto da montanha pela lua que surgia escandalosamente cheia à frente. Minha alma vibrou em êxtase, meu corpo explodiu de emoção. Acho que isso sim é felicidade, isso sim é saúde. E nada disso tem preço.







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