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Foto do escritorArthur Andrade Tree

A CONEXÃO DOS SIMILARES E O CHEIRO DAS CIDADES


Abelhas e aves são capazes de detectar odores, formatos e cores das flores separando as que devem ser visitadas com segurança. Mamíferos herbívoros detectam, pelo faro, os padrões de vegetais próprios para o consumo, evitando os venenosos.

Mamíferos carnívoros aprendem a identificar as características de suas presas. São capazes de distinguir no meio de uma manada a vítima em potencial com seus ferimentos e doenças.


Nossos ancestrais faziam o mesmo, registravam internamente objetos e fragilidades de outros seres para escolher os viáveis e afastar os descartáveis. Nós ainda fazemos isso, ou pelo menos, deveríamos.


Essa poderosa inteligência foi dispersada pelos estímulos da civilização. Perdemos então o faro original, paladar, visão, audição e o tato. Nossos sentidos ficaram meia boca, anestesiados pelo excesso de artificialidades.


Em lugar de conexão com a natureza, incorporamos o desacordo, o medo e as alergias. Qualquer picada de inseto provoca uma reação em cadeia que pode terminar no hospital. Ficamos frágeis, inseguros, doentes e distantes.


INSETOS INTELIGENTES


Só percebo que existem insetos no ar quando amigos ou visitantes mais urbanos chegam no mato onde vivo. Eles são logo picados. Para se proteger, apelam para os repelentes que precisam ser logo renovados.


Outro dia levei uma familia de paulistas para uma trilha até o rio. Na beira do Pojuca, uma nuvem de insetos cercou o casal e os dois filhos. Sobre mim, nenhum inseto. Eles perceberam o fenomeno e atribuiram a alguma mágica. Por que isso acontece, perguntaram. Não tenho certeza, mas imagino que os insetos sentem vocês como inimigos, com o estranho cheiro de cidade. Então atacam.


Cheirar a cidade não é apenas transmitir o odor do estresse urbano, mas exalar açúcar, álcool, carne estragada, nicotina, cafeina, antibióticos, ansiolíticos, hipertensão e medo. Cheirar a cidade é estar do lado oposto da similaridade com a natureza selvagem, o desemelhante, o desconexo.


A civilização moderna puxou a tomada e nos desligou da terra. Calçou chinelos de borracha, nos fez sentar em cadeiras de plástico e deitar em colchões de espuma. Fora isso, passou a alimentar as multidões com comidas falsas, carnes processadas, trigo, milho, soja, aveia modificados, repletos de aditivos químicos, venenos coloridos.


Os alimentos industrializados são todos dissimilares, ou seja, o corpo não os reconhece. São como inimigos com cheiro de cidade na beira do rio. Mais de 90% dos produtos nos supermercados são assim, desconectados. É facil identificá-los - todos têm rotulos nas embalagens. Ali em letras miúdas estão listados todos os venenos, ou seja, a indústria não omite seu potencial de morte.


Já os reconhecíveis são os similares, têm moléculas vivas, cheiro de mato, cheiro de vida. O organismo humano logo os identifica e os recepciona com honras da tribo.


Esses alimentos são fáceis de reconhecer. Ao contrário dos outros, não têm letras miúdas nem explicações ou cautelas sobre uso. Não tem acidulantes, conservantes nem corantes artificiais. Esses alimentos similares têm curvas, saliências, expressões, flexibilidades e fragilidades como nós. Uns são fartos, outros miúdos, uns são pacatos, outros exuberantes como a gente. E por fim, são naturalmente perecíveis como todos nós.

Portanto, se um dia na sua frente aparecer algo do tipo “longa vida” fuja porque significa rápida morte.





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